dica de filme: beleza americana

Análise do Filme Beleza Americana por uma psicóloga

Enredo

Beleza Americana (2000) é um drama que gira em torno da vida de Lester Burnham (Kevin Spacey), um homem de meia idade, que trabalha há mais de uma década em uma revista, é casado há mais de 20 anos e tem uma filha adolescente. O filme começa com o protagonista se apresentando e dizendo: “Em menos de um ano estarei morto. É claro que ainda não sei disso. De certa maneira, eu já morri”. Dessa forma, logo de início percebemos quanto Lester está insatisfeito com sua vida: se masturbar no chuveiro pela manhã é, segundo ele próprio, o ponto alto de seu dia; sua esposa, Carolyn (Annette Bening), o despreza; e sua filha Jane (Tora Birch), o ignora. Porém, tudo se transforma quando ele conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Deslumbrado por sua beleza e sensualidade, ele decide finalmente começar a viver de verdade.

ALERTA: a partir daqui, contém spoillers

Análise das personagens e da trama

Esse é um filme sobre a “sociedade do espetáculo”, conceito criado por Guy Debord (1967), que definiu o espetáculo como o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens, pois os personagens de Beleza Americana não são o que aparentam ser. As máscaras sociais utilizadas por eles escondem a triste realidade da vida de cada um.

Personagens

Começando por Carolyn, entusiasta dos “pensamentos positivos” e desesperada pelo sucesso profissional, mas que, na verdade, é a personagem mais desamparada e triste do filme. Uma mulher frustrada em seu casamento, abandonada pelo amante, distante da filha que mora em sua própria casa e cheia de dificuldades enquanto corretora de imóveis, muito distante da mulher forte que ela aparenta ser. Angela também é uma personagem que esconde sua essência.

No final do filme, nós descobrimos que aquela jovem sensual, provocante e cheia de desejos é uma garota virgem e insegura, que ainda não se vê preparada para ter sua primeira relação sexual. Temos ainda o vizinho de Lester, o coronel militar Frank Fitts (Chris Cooper), pai de Ricky (Wes Bentley), extremamente rígido e conservador, que ao longo da trama deixa bem claro seu machismo e sua homofobia. A surpresa também vem mais adiante, quando ele, acreditando que seu vizinho seria gay, tenta beijar Lester.

Convenções e transgressões sociais

É justamente por ter rejeitado o Coronel Fitts, que Lester é assassinado por ele. Um assassinato cometido para a manutenção do segredo, para que ninguém descubra que todo o seu preconceito é apenas uma máscara e que, na verdade, ele se sente atraído por homens. Esse acontecimento é também uma grande ironia, já que o protagonista é morto pouco tempo depois de ter finalmente começado a viver.

Em uma busca por uma vida melhor e com significado, que teve início em seu encanto por Angela, Lester recupera pouco a pouco a alegria de viver à medida em que realiza pequenos atos carregados de verdade. Ele pede demissão do seu emprego maçante, confessando ao chefe que se masturba pelo menos uma vez por dia no trabalho. Ele passa a trabalhar numa lanchonete e com o dinheiro recebido do seu chefe, devido à ameaça de revelar que ele é um assediador, Burnham compra o carro de seus sonhos. Mais tarde, durante o jantar, ele tem uma briga com a esposa e consegue, depois de anos, dizer o que realmente pensa. Seu imenso sorriso logo após a discussão revela a importância dessa epifania: “É muito bom perceber que ainda temos a habilidade de surpreender a nós mesmos”, diz ele.

Nessa mesma cena, também podemos notar que Carolyn, ao preparar o jantar e tentar deixar tudo o mais perfeito possível, sua intenção não é promover um ambiente agradável para a família, já que sua filha, Jane, a pede para trocar de música e ela rejeita o pedido de forma rude e controladora. Sua intenção é se reafirmar e construir a imagem da família perfeita. Novamente, a ironia é que o jantar é um verdadeiro fiasco, já sabemos porquê.

Durante a cena em que Lester tenta fazer sexo com sua esposa no sofá da sala, ocorre algo parecido: Carolyn o interrompe por ter medo de sujar o sofá. Percebemos aqui que ela não é capaz de sair do convencional e assumir uma espontaneidade, já que fazer sexo com seu marido após décadas de casados no sofá da sala é uma transgressão muito grande, mesmo do ponto de vista de uma esposa que trai seu marido. Afinal, a traição após 20 anos de casamento, muito cometida por homens e mulheres modernos, é bem mais “convencional” para nossa sociedade, não é mesmo?

Cabe ainda falarmos aqui das duas únicas personagens do filme que não usam máscaras sociais: Jane e Ricky. Jane é uma adolescente insegura que não esconde sua insatisfação, seja perante sua imagem ou sua família. Já Ricky é capaz de encontrar beleza em coisas simples, como uma sacola ao vento, e se apaixona pela garota real que é sua vizinha, não vendo a menor graça em Angela. Aqui temos mais uma metáfora do filme para expressar a oposição entre o que se é e o que se parece, pois, esse jovem é um traficante e, ao mesmo tempo, o personagem mais transparente e sincero do filme.

Tanto esse fato, como os pequenos atos de libertação de Lester deixam transparecer a mensagem de que é preciso “sair do trilho” para viver a vida que queremos viver, não a vida que esperam de nós. Essas transgressões são um símbolo para transmitir ao espectador que é preciso se libertar do script social para sermos nós mesmos, para despertarmos e abandonarmos nossa vida de faixada.

Conclusões

Novamente fazendo alusão ao conceito de “sociedade do espetáculo”, Beleza Americana é uma crítica ao fato de que atualmente não importa o que somos, sentimos ou pensamos, mas o que aparentamos. Por isso, as coisas mais simples e banais do nosso dia a dia são constantemente transformadas em espetáculos: a ida a praia, o prato do jantar, a festa de aniversário. Nada melhor para ilustrar essa realidade que as redes sociais, onde os indivíduos se preocupam em mostrar, em fotografa e em postar. A ironia é que, muitas vezes, os mais desesperados por isso são também os que menos estão aproveitando a vida, e justamente por isso que eles precisam confirmar socialmente aquilo que eles não estão vivendo ou sentindo.

O drama também é uma crítica ao american way of life (estilo de vida americano), que na verdade se aplica a qualquer sociedade de consumo, inclusive à nossa. Nós trabalhamos cada vez mais, consumimos cada vez mais, nos preocupamos com a nossa aparência cada vez mais e estamos cada vez com mais pressa e mais ansiosos. Tudo isso em busca do status social, sedentos por padrões que prometem, mas que não trazem a felicidade. Toda essa necessidade de sucesso sempre é fruto de uma sociedade que impõe a lógica capitalista do sucesso a todas as esferas da vida. Enquanto trabalhadores e trabalhadoras, maridos e esposas, pais e mães, vizinhos e vizinhas, donos e donas de perfis nas redes sociais, o que é privado deixa de ser, na expectativa de afirmar para todos que somos bem-sucedidos em tudo.

Do início ao fim, a narrativa nos convida a pensar, muito graças à identificação que personagens tão comuns que vivem dramas tão comuns nos trazem. Nesse sentido, a última fala do filme é mais que um chamado, é um clamor pela reflexão sobre a nossa vida e o modo no qual a vivemos, porque afinal, um dia todos vamos morrer.

“[…] E sentir gratidão por cada momento da minha vidinha idiota. Vocês não fazem ideia do que eu estou falando, eu sei, mas não se preocupem, um dia vão fazer”.

 

Sugestão: Filme Foi Apenas um Sonho (2008), do mesmo diretor.

Participação todas as terças-feiras no Programa Tarde.com na Rádio Itatiaia, falando sobre Relacionamento Amoroso e Sexualidade.

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